13 de abr. de 2009

Entrevista com a banda NUNCA INVERNO



1) Como surgiu a proposta do video inspirado na música “Vetor”? Ele está ancorado nas idéias da banda? No clipe há o uso de imagens contrapostas, isto é, a velocidade irracional do mundo contemporâneo – configurada no tédio dos relógios, no produtivismo, na hierarquia das relações sociais e no domínio do homem sobre a natureza – é colocada ao lado do tempo da natureza. Será que existem vetores capazes de nos desviar daquela velocidade?

As imagens do vídeo foram todas retiradas de um documentário chamado The Corporation, que pode ser baixado gratuitamente em www.thecorporation.com. O que a gente fez foi pedir pra uma amiga que trabalha com edição de vídeo, chamada Mariane Pauletti (São Paulo), editar as imagens no tempo da música e aplicar uns filtros e ela fez todo o trabalho, que ficou muito bom. A música fala como a repetição de imagens, em alta velocidade, cria necessidade de consumo, nos direcionando a consumir cada vez mais, produtos desnecessários ou que não seriam comprados em condições normais. Esse consumo, nessas escalas, traz uma série de conseqüências, principalmente as que decorrem dos processos produtivos. Esgotamento de recursos ambientais (utilização de matérias primas produzidas em países subdesenvolvidos, emissão de efluentes, emissão de gases responsáveis pelo efeito estufa/aquecimento global, etc), exploração de mão-de-obra barata (opressão de trabalhadores em países subdesenvolvidos), desequilíbrio de mercados, especulação financeira, etc. Acho que é justamente essa angústia de querer não consumir, querer andar mais devagar e não conseguir, ou não saber se é possível, que motiva esse tema. Até porque nós também trabalhamos, nós também consumimos (e muito), nós também fazemos parte de tudo isso.

2) Falem-nos a respeito do surgimento da banda. A título de curiosidade, o que significa “Nunca Inverno”? O interessante é que vocês cruzam tanto influências líricas quanto musicais que, diga-se de passagem, são finíssimas no sentido de retomar a velha escola do hardcore/punk em tempos nos quais o “novo” é o que prevalece – não que o “novo” seja negativo, às vezes até encontramos pérolas, no entanto, parece-nos que a tendência predominante está mais no quantitativo do que no qualitativo. Comentem acerca destas influências.

A banda começou em 2005, no quarto do apartamento dos meus pais, com o Denti (Thanx4Nothing) tocando guitarra e eu (Afraid of Life, Minha Guerra) fazendo as letras. O Denti vinha da cena mais melódica que era muito forte em Blumenau e eu mais da cena straight edge, que era pequena e estava se desunindo. Eu confesso que não acreditava muito na banda. Tinha participado de umas outras bandas que não deram certo, tinha recém formado em Direito (começando a advogar) e namorando, total desencanado. O Denti é que ficou botando pilha, fazendo sons, indo atrás, ligando, etc. Até que montamos as primeiras músicas. A proposta era fazer um som na linha de Rethink/Garage Fuzz, mas com idéias e mensagem que falassem um pouco sobre as coisas que nos afetavam nessa passagem da adolescência pra vida adulta (competição no mercado de trabalho, consumo, dinheiro, velocidade, etc). O nome da banda foi roubado de um outro amigo chamado Jimi (Afraid of Life) e a idéia por trás dele era de ser bonito e de representar essa vontade de se manter ativo, aceso, mesmo com todas essas ocupações e preocupações. A partir daí foi um trabalho pra encontrar um baterista e um baixista. Mais uma vez o Denti fez todo o corre. Ensaiamos com o Gabriel (Minha Guerra) na bateria, mas não deu certo. Daí o Denti chamou o Topeira (Vitor – que tocava numa banda chamada Hops e escutava música gaúcha, hardcore melódico e metal melódico sem distinção) que tocou com a gente quase 2 anos, até o término da gravação do cd. Depois chamamos o Dudu (5 of Hearts) pra ir tocar o baixo. Tivemos que implorar pra ele tocar e ele era vagabundo no começo, não ia nos ensaios, etc. O Dudu tocou na banda até a metade de 2008. O Xao (Afraid of Life, 5 of Hearts) entrou logo depois da gravação da 1ª demo e do 1º show. Com a entrada do Xao passamos a ter 2 guitarras e o som ficou bem mais legal, mais cheio etc. Até porque ele tem uma noção muito boa pra fazer arranjos pras musicas e ajeitar elas. Depois da saída do Topeira e de algumas improvisações o Xao passou para a bateria e o João (5 of Hearts) entrou na 2ª guitarra. Pelo menos pra mim, a partir daí, passei a sentir uma diferença incrível na banda, pois as tarefas passaram a estar mais distribuídas. Compondo, escrevendo, marcando ensaios, organizando viagens, cuidando da banquinha, dirigindo o carro, fazendo comida vegan e camisetas pra vender, etc. O João tem um senso de organização e uma disposição pra fazer as coisas muito grandes. No passado o Dudu resolveu sair da banda e foi substituído pelo Dudu Negão (Condictio, Ecoresistência) que veio de São Paulo para morar em Blumenau e tocar na banda. Com essa formação gravamos a demo/ep Aço e Concreto (2009) e estamos tocando. Nesse meio tempo e com essas mudanças de formação fomos acrescendo um monte de influencias, como Dag Nasty, Embrace, 3, Hot Water Music, Garage Fuzz, Eterna Inocência, M.ine, O Inimigo, Bad Brains, Funeral Oration, H2O, Lifetime, etc. Quanto a essa questão de ser velho ou novo, eu acho que essa preocupação não existe. A preocupação é fazer músicas boas, cada vez mais com uma personalidade nossa (no começo copiávamos demais), nos expressar e utilizar a banda para nos divertir, comunicar, viajar, conhecer pessoas, divulgar idéias, questionar, agir, etc.

3) O CD de uma banda, pelo menos no hardcore/punk, é de certa forma, algo incompleto - por exemplo, o material de vocês não nos revela o que, “de fato”, é o “Nunca Inverno” -, pois não nos fornece a completude do que é uma banda, isto é, as emoções, o processo de composição das letras, o conflito entre cinco vontades e a interação da banda com o público. Nós não queremos consumir o “Nunca Inverno”, nós queremos estar juntos, nos relacionando horizontalmente. Como vocês aproveitam os shows, as discussões e as outras interações diretas oferecidas pelo HC/punk?

Eu também penso assim. Apesar de gostar de gravar e de ter discos, é no show que o esquema do hardcore/punk faz sentido, porque a gente encontra os amigos (amigos que, as vezes, a gente só conhece pela internet), interage com as outras bandas, fica na casa do pessoal/hospeda o pessoal, come junto, etc. Acho que a gente faz varias coisas pra tentar não ser consumido desse jeito. A gente tem o costume de explicar as letras, distribuir comida vegan pra divulgar o vegetarianismo e interagir com as pessoas, colocar zines e informativos, materiais nossos, de outras bandas e grupos na nossa banca, viajar na grande maioria das vezes pagando as despesas do próprio bolso, enfim. Uma coisa que eu vejo que rola hoje, até mesmo quando a gente toca, é que o público da maioria dos lugares se coloca numa posição de platéia. No show o público é tão ou mais importante do que a banda. É ele que tem que se divertir, dançar, trocar materiais, conversar, trocar contatos, cantar, pegar o microfone pra falar ou até mesmo questionar a banda. Todo mundo fica esperando que a banda seja inovadora e traga respostas para todas as coisas. Essa relação horizontal tem que ser de parte a parte... como aconteceu com a gente na periferia de São Paulo (Carapicuíba, Poá), Rio de Janeiro, Volta Redonda, Santos, Monte Grande (arg), Montevidéu (uru) e outros lugares onde a gente não foi só pra tocar, a gente saiu de lá com amizades incríveis, aprendeu um monte de coisas, conheceu ocupações, centros culturais, a casa das pessoas, enfim.

4) Vocês se prontificaram a não somente vir para tocar. Salientaram o desejo de fazer algo mais, como uma atividade de discussão etc. Como a banda (ou cada um da banda) sente e compreende uma possível relação entre hardcore e aspectos sócio-políticos mais amplos? Qual a importância – se é que há importância nisto para o Nunca Inverno, tal qual há para nós – de se trazer para dentro do hardcore (ou para outros espaços de sociabilidade e lazer) discussões acerca de aspetos sociais de um modo geral ou de questões intimamente ligadas à cena?

Isso acaba acontecendo de modo natural, sem ter uma paranóia por “querer se politizado ou socialmente ativo”. A minha vida não é só correr atrás de mulher, ir em festa e beber cerveja, logo, eu não vou cantar ou falar só sobre amor ou sobre festa ou sobre ficar doidão. Por outro lado, eu quero ter liberdade pra falar sobre amor e amizade, dando pra isso a mesma importância do que qualquer questão política ou social. Da mesma forma, os debates e outras ações não podem ser catedráticas e metódicas, até porque ninguém esta no hardcore pra ensinar ninguém. Eu concordo muito com aquele lance da Crimeth Inc. e de alguns autores (Bob Black) que dizem que a revolução tem que ser algo divertido, leve, diferente da rigidez da vida lá de fora, embora muitas vezes eu carregue comigo o ranço dessa rigidez, dessa arrogância, enfim.

5) Na medida do possível tentamos acompanhar as bandas, dentre elas o Nunca Inverno. Por isso, sabemos que vocês têm circulado bastante para shows, eventos etc. De toda esta experiência, em relação ao hardcore, o que vocês podem nos dizer? O que vocês apontam como mudanças ou permanências significativas dentro do hardcore fazendo uma análise que perpasse desde o momento em que vocês começaram com isto ou o surgimento da banda até o atual contexto?

O que eu vejo que mais mudou mesmo fomos nós. A gente pode conhecer um monte de gente (alguns inclusive as namoradas), um monte de lugares, saímos do país pela primeira vez, passamos por um monte de experiências positivas e negativas e isso tudo vai construindo e destruindo a gente. Sobre o hardcore como cena, acho que depende do lugar e talvez essa seja uma opinião de quem veja de fora, mas acho que Curitiba ta bem mais legal do que era antes, mais independente, mais produtivo, na periferia de São Paulo também se ergueu uma cena muito legal, com shows até na casa dos caras, total na raça.

6) “Às vezes, nós paramos e ficamos conversando sobre como éramos antes de montar essa banda, há 3 anos atrás. Os lugares e pessoas que conhecemos. As coisas que aprendemos. (...) As casas e famílias de amigos que nos acolherem sem nem sequer nos conhecer. E tantas outras coisas que não podíamos imaginar no nosso contexto, de sermos jovens de “classe média”, de uma cidade médio-pequena do interior de Santa Catarina, onde sequer existe uma cena hardcore/punk ou outras bandas que buscam o mesmo que nós” (Fragmento retirado do EP “Aço e Concreto” de 2009). Vocês são de Blumenau (SC), e nós somos de Uberlândia (MG), uma cidade de médio porte, sem muita visibilidade no “cenário” nacional - só não somos invisíveis, pois, as bandas que por aqui passam são incendiadas com muita energia, fato este que acaba criando certa ressonância. Vocês extrapolaram o contexto “interiorano”, tocando até fora do Brasil, mas como é a relação do “Nunca Inverno” com a própria “cena/comunidade” de Blumenau?

Uma frustração que eu tenho é de não ter conseguido mudar as coisas pra melhor aqui. Não estar mais ativo aqui. Aqui o hardcore como a gente vê vai muito mal... Não tem show, não tem outras bandas, o pessoal (inclusive nós) reclama mais do que faz, etc. A gente também se preocupou mais em viajar do que qualquer coisa e basicamente só tocamos aqui se a gente organizar e tal. Quando tinha a moda do melódico eu não gostava do melódico porque os caras só queriam saber de beber e cantar sobre amizade. Agora eu sinto saudade e inveja daquele tempo em que pelo menos as pessoas iam no show e tavam reunidas, de alguma forma. Fiquei com tanta saudade que comecei a fazer um zine/livro de entrevistas sobre as historias velhas daqui (em breve! Hehehe).

7) “Fizemos bastante e ainda temos muito por fazer. Ainda vamos viajar 10 horas em 5 num carro apertado, vamos dormir no chão (ou não dormir), vamos tocar para 10 ou 12 pessoas sem esperar dinheiro em troca, vamos gravar e lançar discos com o nosso próprio dinheiro e nos sentir bem com isso. Porque isso já é muito mais do que esperávamos” (Retirado do EP “Aço e concreto” de 2009). É gostoso sentir a vontade de vocês, e, certamente, há ainda muito que se fazer. Recentemente vocês tocaram na Argentina e no Uruguai, contem-nos um pouco dessa experiência.

Foi bem legal (apesar de meio caro, tenso e corrido). Fomos em 2 carros, junto com uns amigos, dirigindo muitas horas seguidas, passando por perrengues com as policias gringas, entramos pelo Uuruguai, conhecemos pessoas e bandas muito bonitas lá como Crecer Records, Setiembre11, Asunto Pendiente e Salsipuedes. Depois fomos pra Argentina onde tocamos em duas localidades na periferia de Buenos Aires e em La Plata, nos acompanharam nessa tour os amigos do Hermanos de La Mente Furiosa, que trabalham num centro cultural comuna (comuna! No comunista!) chamado Metarmorfosis onde dormimos, comemos e tocamos um show muito legal com uma outra banda muito foda chamada Los Ingobernables (que vem ao Brasil em janeiro de 2010). Fora isso deu pra gente conhecer um pouco dos lugares, principalmente o centro de BaAs que valeu pelo role...

8) “Sempre os mesmos 10 ou 12. Talvez nem isso. Em lugares pequenos e sujos. 8 ou 9 horas distantes do que fazemos e fingimos ser para ter isto. Pouco tempo. Nenhum dinheiro. Alguns sorrisos. Sempre os mesmos. 10 ou 12. Talvez não tenha mesmo sentido (para você). Mas nós estamos juntos. Cantando sobre nossos próprios defeitos. E só nós sabemos que não seremos os mesmos quando voltarmos. Basta voltar um pouco no tempo. As amizades que fizemos. As coisas que aprendemos. Talvez estes sejam bons motivos” (Letra 10 ou 12 EP). Tomara que não sejamos mais os mesmos. Qual é a expectativa de vocês para o evento? Não iremos nos esfriar, nunca, afinal, “todos nós estamos vivos”. Espaço final aberto para vocês.

Po o Cogu sempre fica me falando dos shows daí e mostrando vídeos e isso cria uma expectativa fudida, porque o pessoal ai parece ser caloroso pra caramba, diferentemente daqui. Fora isso a organização tem tudo a ver com o esquema que a gente costuma tocar, com debates, comida, amizade... Tomara que essa entrevista tenha servido pra estender um pouco o que é a relação das pessoas com a banda... que as vezes fica restrita a musica. É isso que a gente vai fazer aí, amizade, conversa, comida vegetariana, informação, dormir na casa de vocês, atormentar vocês e o show é só uma comemoração de tudo isso...

8 comentários:

Paulo Lamana disse...

valeu pessoal e até daqui alguns dias ...
;)

Unknown disse...

do caralho!!

Cristiano
HYB

Fabio sp disse...

a banda que toca na radio eh o nunca inverno?

Paulo Lamana disse...

não, a da rádio se chama outra chance de uberlândia-mg (isto aí é um preview de uma música que sairá na nossa demo)

;)

Fabio sp disse...

uhn, eh boa a banda de vcs. tem myspace naum? muito bonito a parte que tem vocal feminino

Paulo Lamana disse...

Valeu Fábio, tem sim:
http://www.myspace.com/outrachancehc

dá uma olhada, em breve agent vai por músicas lá, acabamos de gravar ...

;)

Anônimo disse...

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Anônimo disse...

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