“Éramos daqueles que dançavam no suplício. Trocávamos as coisas pela simples vontade de nos darmos uns aos outros. Destruíamos suntuosamente todas as riquezas numa comunhão solene de iguais, embora diferentes. Brincávamos com nossos corpos num gosto quase diabólico pelo prazer. Destruíamos pelo prazer de se destruir. Nossas atividades não estavam separadas, éramos vários. Mas hoje nos parece que os sentimentos perderam-se no fio da história. Cada vez mais distantes e gélidos. Não mais admitimos a leveza das coisas. O lema agora é "ter mais", "superar seu adversário". Dizem os antigos que o último limite permitido às suas cidades era que um poeta ainda estivesse em condições de se fazer ouvir por toda a comunidade reunida. Hoje quase não praticamos o gosto pela solenidade de assembléias. Lemos isolados, brincamos de amor como se estivéssemos brincando com gelo. Medo de abraçar, se queimar... Os antigos talhavam o tempo de acordo com os ritmos da natureza, hoje é o próprio relógio que nos engole. A nostalgia é muito ingênua às vezes, e a esperança por demais sórdida. Já a melancolia é bela e suja. Invoca o passado, pois está louca para ver outros firmamentos. Ainda existem laços que nos unem... Consideramos, seríamos muito ingênuos em não pensarmos assim, que os shows de hardcore/punk não são como as assembléias solenes dos antigos. Eles invocam por alguma comunhão. Ou pelo menos deveriam invocar. Lembremos que não há separação entre aqueles que fazem a música e aqueles que a dançam. Não há algozes dizendo como devemos nos comportar, a não ser nós mesmos. É um estado de excitação permanente, no qual diferentes reúnem-se num momento único. O hardcore/punk não está localizado apenas no show, não se trata de uma situação que criamos à parte para nos vangloriarmos de termos, por alguns momentos, sensações menos plásticas, ele, de alguma forma, perpetua-se para além daquele momento, por meio de nós mesmos, de vocês. A Outra Chance é isso, é a persistência de velhos sentimentos, é o festim que se faz só quando você está conosco, é uma outra chance, diferente da que encontramos no cotidiano, que só existe na comunhão entre nós e vocês”. (extraído de www.myspace.com/outrachancehc)
Perguntas por Coletivo Uberlândia Hardcore – UdiHC.
Respostas por Banda Outra Chance – OC.
1) Embora seja uma pergunta clichê, porém necessária para atender a nossa curiosidade, como surgiu a banda e qual o significado do nome da mesma? Existe, de fato, uma comunhão entre nós – o “público” – e vocês?
A idéia de formar a banda veio no final de 2006 e partiu do Roberto (ex-guitarra e, hoje, vocal) e do João Filho (ex-vocalista). Mas até meados de 2007, não passava de uma idéia. Foi quando convidaram o Michel (bateria) e o Paulo (baixo) as coisas começaram se encaminhar (lá pro mês de setembro de 2007). Faltava, entretanto, uma segunda guitarra. Depois de especularmos várias possibilidades, chegamos ao nosso amigo Vitor. Aí começou a banda, que na época se chamava Força Interior, mas não fomos muito adiante. Passado um período de inconstâncias o Vitor optou por deixar a banda (por questões pessoais). Com sua saída nós convidamos o Igor e começamos do zero - todo um novo processo de composição, de estruturação etc. - e, como tinha surgido à época uma banda aqui na cidade chamada “Fuerza” e a maioria dos membros já não estava contente com “Força Interior”, resolvemos por recomeçar inclusive com o nome. Dentre outras possibilidades, o Paulo sugeriu esse nome, Outra Chance, e optamo-lo após várias conversas e reflexões.
Sobre o nome “Outra Chance”, apesar de não refletirmos muito sobre isto no começo - fechar um significado acerca dele - quando o colocamos o fato que mais nos pareceu significativo era o de estar havendo outra chance para nós enquanto amigos reunidos para tocar. Simples assim, mas nem tanto. A maioria das pessoas que estão tocando junto nesta banda se conhecem há um bom tempo, e alguns deles inclusive já tiveram a oportunidade de tocar juntos em outros projetos, que terminaram à contra-gosto. Mas Outra Chance revela também outro lado. Uma nova visão (amadurecimento) sobre a contra-cultura que fazemos parte. O tempo que ficamos sem tocar foi ótimo. O lance do nome, pensamos, tem muito haver com mudança de perspectiva/entendimento, sobre o que é isto que chamamos “hardcore/punk” hoje (uma outra chance de criar e recriar o que entendemos como tal). Ao longo dos anos quando nos envolvíamos em bandas de hc/punk tínhamos uma idéia essencializada demais da coisa. Nesta época pensávamos estar no “caminho certo”, com a “fórmula correta” do que era o hardcore. Hoje vemos que qualquer tentativa de essencializá-lo pode incorrer em erros ou posturas que geram atritos e conflitos desnecessários. O hardcore/punk não nasceu classista, comunista, anarquista, socialista, ateu, ou o que quer que seja. Ainda que algumas bandas o tenham feito conscientemente por este caminho, não foi a regra geral. Pensamos que a única definição possível é a de que o hardcore/punk foi uma criação da juventude “não-convencional” (que não se enquadrava e não queria se enquadrar nos padrões do status quo vigente) em algum momento do século XX (fins dos 70 ou antes?) que envolveu algo mais que apenas música - como estilo, comportamento, publicações próprias, etc., etc. - para canalizar suas angústias, revoltas, insatisfações, anseios, frustrações, camaradagens, boas vivências, amores, enfim, suas formas de sociabilidade na vida agitada das grandes cidades.. Mas para significados dessa natureza não há consenso. No fim das contas, o que importa é o que vivemos juntos (na Outra Chance, na Força Interior, no cotidiano, nos ensaios, shows, conversas, momentos de composição etc.), e não sob qual nome atendemos...
Bem, com relação à “comunhão”, se ela existe ou não é meio difícil de avaliar, mas é o que tentamos fazer: passar nossa energia, o que sentimos, tentar contagiar o ambiente para que vocês curtam conosco, tudo isso é um passo rumo a essa comunhão. Talvez, o pessoal que ler, e interagir nos comentário do blog, possa emitir uma opinião sobre isto. Afinal, quem melhor que o público para dar o veredicto? Uma coisa é certa, quando tocamos, as pessoas e os rostos, por mais desconhecidos que sejam, por mais que às vezes não tenhamos uma convivência diária com elas, tentamos percebê-las, captá-las. Cada um de vocês torna as apresentações mais especiais. É muito gratificante saber que no agito e na empolgação há sentimentos compartilhados por todos nós, mesmo nos desconhecendo, por alguma coisa ... por algo ... Uma idéia? Um rótulo? Não sabemos, mas é algo real.
2) Quais são as influências gerais que refletem na confecção tanto das melodias quanto das letras?
Falando de maneira bem geral, o hardcore/punk do clássico ao moderno. Do nacional ao internacional. Nossas vidas/vivências, sentimentos, experiências.
3) Os shows de hardcore/punk invocam alguma comunhão, mesmo que diferente daquela praticada nas assembléias dos antigos. Estes shows, geralmente, são uma espécie de catarse coletiva. Qual o potencial do hardcore/punk no que diz respeito a levar tal comunhão adiante, para além dos “shows”?
O ideal da catarse coletiva é o que desejamos. Nem sempre o público corresponderá desta maneira, bem como nós também podemos não corresponder. Pensamos que ao tocarmos estamos fazendo um convite a participação e a liberação dos corpos na camaradagem. Garotos e garotas, sem pudores, manifestando, agitando seus corpos como queiram, sem regras, padrões definidos: “surfando”, imitando gorilas, “pogando”, se jogando, pulando, etc., etc.
Centrando-nos na questão, geralmente, vemos que acaba o show é o cada um por si (ou cada grupinho por si) que volta reinar novamente. Tirando uma meia dúzia de boas amizades que se faz, novas pessoas que se pode contar e as lembranças que despertam boas sensações tudo parece se encerrar no show. Mas a comunhão, os laços e o “contrato” que as pessoas estabelecem ali muito têm a oferecer para uma melhor relação entre todos (mútua compreensão). Isto é algo a se construir... Cremos que a melhor resposta a indagação da entrevista seja a seguinte: a experiência do 1º Uberlândia Hardcore se estruturando em coletivo é a materialização de que a comunhão dos shows de alguma forma foi levada adiante. Veja, há no coletivo pessoas da antiga e da nova geração. Todos juntos em torno de sentimentos partilhados, das coisas mais diversas que o hardcore/punk de alguma maneira lhes legou: conduta, disciplina interna, respeito, ética, vegetarianismo, etc. É algo que nunca vai morrer. Então, por mais que possa/pareça não haver uma convivência cotidiana entre as pessoas que vivem aqueles momentos, pelas diferenças, que são inegáveis, coisas podem ser construídas a partir dali, em torno de pontos comuns. O que as pessoas levam dali para suas vidas é, indiscutivelmente, muito positivo.
4) “Tenha mais, seja mais: supere seu adversário”, “sentir o peso dos dias”, “quando o espírito está morto não há razão para continuar” são fragmentos das letras da banda. É inegável que no hardcore/punk há uma preocupação com a forma, mas, sobretudo, com o conteúdo. Como é a construção das letras? Vocês prezam pelo trabalho coletivo?
Sim, prezamos muito. Todo mundo acaba contribuindo um pouco com tudo. Na Outra Chance, como o tempo é meio corrido para todos os integrantes (faculdade e trabalho), nos valemos muito da internet. No plano das letras tudo é referência: a vida, o cotidiano, os filmes, as músicas, as conversas com quem quer que seja... aqui tudo vira inspiração, um passo inicial para trabalhar em cima. Temos feito da seguinte forma: alguém escreve a letra, ou um fragmento e manda por e-mail para os outros, que começam a debater, buscar possíveis significados além daquele que o autor tinha em mente, mudar/tirar/acrescentar frases e idéias. As trocas de e-mail são constantes.
5) Sabemos que vocês já tocaram duas vezes em Patos de Minas (MG). Como foi a recepção do público? Além disso, como é a “cena” hardcore/punk de lá? Há pontos em comum com a cena local daqui? Existe alguma coisa que é feita por lá – e que às vezes não é explorado por aqui - que os surpreendeu e que pode contribuir para a nossa “cena”?
A galera lá é muito simpática e receptiva. Acreditamos que haja muitos pontos em comum com a cena daqui. Pensando em termos quantitativos talvez a de Uberlândia seja maior. Mas a vontade e o agito são contagiantes como aqui. Vejo o pessoal de cidades maiores que tocaram aqui, ou lá na vez que estivemos, só elogiaram, e comentavam muito do público das grandes cidades em que residiam, que era muito parado, não agitava, via tudo de braços cruzados e que rolava muita panelinha. O pessoal que faz as coisas por lá também está estruturado em forma de coletivo, é assim que eles fazem as coisas acontecerem.
6) “O fato da escolha não significa a escolha do fato” (extraído da letra “Peso dos Dias”). Por qual motivo a escolha do fato não implica a aceitação do mesmo? Sabendo que como toda construção lírica a letra comporta múltiplos sentidos, o que vocês pensaram ao construírem tal letra?
Esta letra busca tematizar a liberdade. Na verdade problematizar a concepção de liberdade em voga na sociedade que vivemos. O discurso societal vigente apregoa liberdade num sentido muito particular e restrito - o poder escolher. O “Peso dos Dias”, ou seja, o sempre renovado amanhecer de frustrações/angústias que pesam sobre cada um de nós é que a liberdade individual é subjugada nos setores mais importantes da vida moderna: no local de trabalho, na oficina, na fábrica, na empresa. Como é possível reinar nestes locais a autocracia e a liberdade em outras partes? Somos livres para escolher dizem eles. Mas escolher o quê? A escolha é determinada de antemão, não nos é dada a possibilidade de escolher uma nova realidade. O fato de podermos escolher entre as mercadorias A,B ou C - na condição de consumidores - não significa o fato de podermos escolher uma nova situação factual para nossas vidas. Em nossa também condição de produtores/trabalhadores não nos é dada escolha em sentido pleno. Temos inexoravelmente de vendermos nosso potencial. Somos impelidos, para sobreviver, a trocarmos nossa atividade por um salário (que a rigor, como manda toda essa lógica da qual falamos, não escolhemos). Dizem-nos: "a vida é assim mesmo". Perguntamo-nos: será mesmo assim? Tomar de volta nossas vidas é preciso...
7) De agora em diante, quais são as pretensões da banda? Sabemos que vocês têm uma dificuldade extrema em gravar uma demo - e não há desculpas para tal -, afinal, sairá ou não? Há previsão para o lançamento?
Rs, rs... Então, é uma expectativa da banda começar a gravar um material preliminar. Houve atrasos neste processo já que infelizmente um integrante importante, o vocalista (João filho), saiu da banda. O novo vocalista (Roberto) está se adaptando rápido e bem ao novo posto. Nós temos como expectativa gravar algo ainda esse ano.. Não vemos de forma tão negativa o atraso no material, pois a cada momento amadurecemos muito musicalmente e pessoalmente, o que, conseqüentemente, nos leva a incorporar novos elementos estéticos, filosóficos, políticos e musicais na relação diária com a Outra Chance.
8) Atualmente, qual(is) cd(s), filme(s) e livro(s) que vocês admiram e que, de certa forma, influenciam a banda?
Pergunta difícil, por isso arriscamo-nos a responder resumidamente. Acreditamos que cd´s são todas as bandas do velho (ou novo) e bom hardcore (principalmente o Paulo pesquisa muitas bandas diferentes e socializa com a galera para estarmos pegando influência), música brasileira e latina de vários gêneros e, também, bastante rap. Filmes e livros cada um de nós – apesar de todos estarmos envolvidos com a área de humanas por causa da faculdade e termos alguns gostos congruentes – temos padrões individuais amplos e distintos de leituras e filmes, mas que pelo menos resumidamente são colocados ou debatidos na hora das discussões da banda e na própria confecção das letras. Só pra citar um exemplo, um filme que serviu em alguma medida de inspiração para uma de nossas letras (Técnica) foi um acerca de um grande boxeador brasileiro, Éder Jofre.
9) Qual a avaliação de vocês quanto ao “1° Uberlândia Hardcore”?
Estamos empolgados com o evento, acreditamos que está muito bem estruturado e discutido, aberto a críticas (o que é muito importante). Foi legal saber como foi o processo de construção do evento, das pessoas envolvidas, as sugestões, o comprometimento e força de vontade. Pelo menos dos eventos que participamos até agora aqui em UDIA é uma atitude não inédita mas incomum incorporar discussões como as oficinas e vídeos que vão ocorrer, algo que ao nosso ver é fundamental e enriquecedor.. Muito interessante também o fato de como fizeram uso positivo de ferramentas como a internet e seus fóruns de discussão para melhor combinar e organizar as coisas. Certeza que a idéia do “Uberlândia Hardcore” deve continuar e que futuramente aconteçam novos eventos em diversos espaços e regiões diferentes da cidade.
10) Agora o espaço é de vocês. Falem o que quiserem!
Agradecemos o espaço, a organização e a competência de todas as pessoas que estão envolvidas no evento, principalmente aquelas (que sabem quem são) que estão na correria diária para que tudo possa acontecer da melhor forma possível. Esperamos que dia 9/11 possamos todos nós hardcorianos e não hardcorianos que estiverem presentes no evento entrarmos em uma grande comunhão de companheirismo, discussões políticas e claro entrelaçado com muitos moshs e stage dives, tudo no melhor estilo do faça-você-mesmo do punk/hardcore. Que este seja o primeiro de muitas edições do coletivo aqui na cidade. Juntar uma graninha e chamar bandas camaradas de fora, fomentar mais coisas por aqui. Obrigado por esta entrevista. Valeu!
Perguntas por Coletivo Uberlândia Hardcore – UdiHC.
Respostas por Banda Outra Chance – OC.
1) Embora seja uma pergunta clichê, porém necessária para atender a nossa curiosidade, como surgiu a banda e qual o significado do nome da mesma? Existe, de fato, uma comunhão entre nós – o “público” – e vocês?
A idéia de formar a banda veio no final de 2006 e partiu do Roberto (ex-guitarra e, hoje, vocal) e do João Filho (ex-vocalista). Mas até meados de 2007, não passava de uma idéia. Foi quando convidaram o Michel (bateria) e o Paulo (baixo) as coisas começaram se encaminhar (lá pro mês de setembro de 2007). Faltava, entretanto, uma segunda guitarra. Depois de especularmos várias possibilidades, chegamos ao nosso amigo Vitor. Aí começou a banda, que na época se chamava Força Interior, mas não fomos muito adiante. Passado um período de inconstâncias o Vitor optou por deixar a banda (por questões pessoais). Com sua saída nós convidamos o Igor e começamos do zero - todo um novo processo de composição, de estruturação etc. - e, como tinha surgido à época uma banda aqui na cidade chamada “Fuerza” e a maioria dos membros já não estava contente com “Força Interior”, resolvemos por recomeçar inclusive com o nome. Dentre outras possibilidades, o Paulo sugeriu esse nome, Outra Chance, e optamo-lo após várias conversas e reflexões.
Sobre o nome “Outra Chance”, apesar de não refletirmos muito sobre isto no começo - fechar um significado acerca dele - quando o colocamos o fato que mais nos pareceu significativo era o de estar havendo outra chance para nós enquanto amigos reunidos para tocar. Simples assim, mas nem tanto. A maioria das pessoas que estão tocando junto nesta banda se conhecem há um bom tempo, e alguns deles inclusive já tiveram a oportunidade de tocar juntos em outros projetos, que terminaram à contra-gosto. Mas Outra Chance revela também outro lado. Uma nova visão (amadurecimento) sobre a contra-cultura que fazemos parte. O tempo que ficamos sem tocar foi ótimo. O lance do nome, pensamos, tem muito haver com mudança de perspectiva/entendimento, sobre o que é isto que chamamos “hardcore/punk” hoje (uma outra chance de criar e recriar o que entendemos como tal). Ao longo dos anos quando nos envolvíamos em bandas de hc/punk tínhamos uma idéia essencializada demais da coisa. Nesta época pensávamos estar no “caminho certo”, com a “fórmula correta” do que era o hardcore. Hoje vemos que qualquer tentativa de essencializá-lo pode incorrer em erros ou posturas que geram atritos e conflitos desnecessários. O hardcore/punk não nasceu classista, comunista, anarquista, socialista, ateu, ou o que quer que seja. Ainda que algumas bandas o tenham feito conscientemente por este caminho, não foi a regra geral. Pensamos que a única definição possível é a de que o hardcore/punk foi uma criação da juventude “não-convencional” (que não se enquadrava e não queria se enquadrar nos padrões do status quo vigente) em algum momento do século XX (fins dos 70 ou antes?) que envolveu algo mais que apenas música - como estilo, comportamento, publicações próprias, etc., etc. - para canalizar suas angústias, revoltas, insatisfações, anseios, frustrações, camaradagens, boas vivências, amores, enfim, suas formas de sociabilidade na vida agitada das grandes cidades.. Mas para significados dessa natureza não há consenso. No fim das contas, o que importa é o que vivemos juntos (na Outra Chance, na Força Interior, no cotidiano, nos ensaios, shows, conversas, momentos de composição etc.), e não sob qual nome atendemos...
Bem, com relação à “comunhão”, se ela existe ou não é meio difícil de avaliar, mas é o que tentamos fazer: passar nossa energia, o que sentimos, tentar contagiar o ambiente para que vocês curtam conosco, tudo isso é um passo rumo a essa comunhão. Talvez, o pessoal que ler, e interagir nos comentário do blog, possa emitir uma opinião sobre isto. Afinal, quem melhor que o público para dar o veredicto? Uma coisa é certa, quando tocamos, as pessoas e os rostos, por mais desconhecidos que sejam, por mais que às vezes não tenhamos uma convivência diária com elas, tentamos percebê-las, captá-las. Cada um de vocês torna as apresentações mais especiais. É muito gratificante saber que no agito e na empolgação há sentimentos compartilhados por todos nós, mesmo nos desconhecendo, por alguma coisa ... por algo ... Uma idéia? Um rótulo? Não sabemos, mas é algo real.
2) Quais são as influências gerais que refletem na confecção tanto das melodias quanto das letras?
Falando de maneira bem geral, o hardcore/punk do clássico ao moderno. Do nacional ao internacional. Nossas vidas/vivências, sentimentos, experiências.
3) Os shows de hardcore/punk invocam alguma comunhão, mesmo que diferente daquela praticada nas assembléias dos antigos. Estes shows, geralmente, são uma espécie de catarse coletiva. Qual o potencial do hardcore/punk no que diz respeito a levar tal comunhão adiante, para além dos “shows”?
O ideal da catarse coletiva é o que desejamos. Nem sempre o público corresponderá desta maneira, bem como nós também podemos não corresponder. Pensamos que ao tocarmos estamos fazendo um convite a participação e a liberação dos corpos na camaradagem. Garotos e garotas, sem pudores, manifestando, agitando seus corpos como queiram, sem regras, padrões definidos: “surfando”, imitando gorilas, “pogando”, se jogando, pulando, etc., etc.
Centrando-nos na questão, geralmente, vemos que acaba o show é o cada um por si (ou cada grupinho por si) que volta reinar novamente. Tirando uma meia dúzia de boas amizades que se faz, novas pessoas que se pode contar e as lembranças que despertam boas sensações tudo parece se encerrar no show. Mas a comunhão, os laços e o “contrato” que as pessoas estabelecem ali muito têm a oferecer para uma melhor relação entre todos (mútua compreensão). Isto é algo a se construir... Cremos que a melhor resposta a indagação da entrevista seja a seguinte: a experiência do 1º Uberlândia Hardcore se estruturando em coletivo é a materialização de que a comunhão dos shows de alguma forma foi levada adiante. Veja, há no coletivo pessoas da antiga e da nova geração. Todos juntos em torno de sentimentos partilhados, das coisas mais diversas que o hardcore/punk de alguma maneira lhes legou: conduta, disciplina interna, respeito, ética, vegetarianismo, etc. É algo que nunca vai morrer. Então, por mais que possa/pareça não haver uma convivência cotidiana entre as pessoas que vivem aqueles momentos, pelas diferenças, que são inegáveis, coisas podem ser construídas a partir dali, em torno de pontos comuns. O que as pessoas levam dali para suas vidas é, indiscutivelmente, muito positivo.
4) “Tenha mais, seja mais: supere seu adversário”, “sentir o peso dos dias”, “quando o espírito está morto não há razão para continuar” são fragmentos das letras da banda. É inegável que no hardcore/punk há uma preocupação com a forma, mas, sobretudo, com o conteúdo. Como é a construção das letras? Vocês prezam pelo trabalho coletivo?
Sim, prezamos muito. Todo mundo acaba contribuindo um pouco com tudo. Na Outra Chance, como o tempo é meio corrido para todos os integrantes (faculdade e trabalho), nos valemos muito da internet. No plano das letras tudo é referência: a vida, o cotidiano, os filmes, as músicas, as conversas com quem quer que seja... aqui tudo vira inspiração, um passo inicial para trabalhar em cima. Temos feito da seguinte forma: alguém escreve a letra, ou um fragmento e manda por e-mail para os outros, que começam a debater, buscar possíveis significados além daquele que o autor tinha em mente, mudar/tirar/acrescentar frases e idéias. As trocas de e-mail são constantes.
5) Sabemos que vocês já tocaram duas vezes em Patos de Minas (MG). Como foi a recepção do público? Além disso, como é a “cena” hardcore/punk de lá? Há pontos em comum com a cena local daqui? Existe alguma coisa que é feita por lá – e que às vezes não é explorado por aqui - que os surpreendeu e que pode contribuir para a nossa “cena”?
A galera lá é muito simpática e receptiva. Acreditamos que haja muitos pontos em comum com a cena daqui. Pensando em termos quantitativos talvez a de Uberlândia seja maior. Mas a vontade e o agito são contagiantes como aqui. Vejo o pessoal de cidades maiores que tocaram aqui, ou lá na vez que estivemos, só elogiaram, e comentavam muito do público das grandes cidades em que residiam, que era muito parado, não agitava, via tudo de braços cruzados e que rolava muita panelinha. O pessoal que faz as coisas por lá também está estruturado em forma de coletivo, é assim que eles fazem as coisas acontecerem.
6) “O fato da escolha não significa a escolha do fato” (extraído da letra “Peso dos Dias”). Por qual motivo a escolha do fato não implica a aceitação do mesmo? Sabendo que como toda construção lírica a letra comporta múltiplos sentidos, o que vocês pensaram ao construírem tal letra?
Esta letra busca tematizar a liberdade. Na verdade problematizar a concepção de liberdade em voga na sociedade que vivemos. O discurso societal vigente apregoa liberdade num sentido muito particular e restrito - o poder escolher. O “Peso dos Dias”, ou seja, o sempre renovado amanhecer de frustrações/angústias que pesam sobre cada um de nós é que a liberdade individual é subjugada nos setores mais importantes da vida moderna: no local de trabalho, na oficina, na fábrica, na empresa. Como é possível reinar nestes locais a autocracia e a liberdade em outras partes? Somos livres para escolher dizem eles. Mas escolher o quê? A escolha é determinada de antemão, não nos é dada a possibilidade de escolher uma nova realidade. O fato de podermos escolher entre as mercadorias A,B ou C - na condição de consumidores - não significa o fato de podermos escolher uma nova situação factual para nossas vidas. Em nossa também condição de produtores/trabalhadores não nos é dada escolha em sentido pleno. Temos inexoravelmente de vendermos nosso potencial. Somos impelidos, para sobreviver, a trocarmos nossa atividade por um salário (que a rigor, como manda toda essa lógica da qual falamos, não escolhemos). Dizem-nos: "a vida é assim mesmo". Perguntamo-nos: será mesmo assim? Tomar de volta nossas vidas é preciso...
7) De agora em diante, quais são as pretensões da banda? Sabemos que vocês têm uma dificuldade extrema em gravar uma demo - e não há desculpas para tal -, afinal, sairá ou não? Há previsão para o lançamento?
Rs, rs... Então, é uma expectativa da banda começar a gravar um material preliminar. Houve atrasos neste processo já que infelizmente um integrante importante, o vocalista (João filho), saiu da banda. O novo vocalista (Roberto) está se adaptando rápido e bem ao novo posto. Nós temos como expectativa gravar algo ainda esse ano.. Não vemos de forma tão negativa o atraso no material, pois a cada momento amadurecemos muito musicalmente e pessoalmente, o que, conseqüentemente, nos leva a incorporar novos elementos estéticos, filosóficos, políticos e musicais na relação diária com a Outra Chance.
8) Atualmente, qual(is) cd(s), filme(s) e livro(s) que vocês admiram e que, de certa forma, influenciam a banda?
Pergunta difícil, por isso arriscamo-nos a responder resumidamente. Acreditamos que cd´s são todas as bandas do velho (ou novo) e bom hardcore (principalmente o Paulo pesquisa muitas bandas diferentes e socializa com a galera para estarmos pegando influência), música brasileira e latina de vários gêneros e, também, bastante rap. Filmes e livros cada um de nós – apesar de todos estarmos envolvidos com a área de humanas por causa da faculdade e termos alguns gostos congruentes – temos padrões individuais amplos e distintos de leituras e filmes, mas que pelo menos resumidamente são colocados ou debatidos na hora das discussões da banda e na própria confecção das letras. Só pra citar um exemplo, um filme que serviu em alguma medida de inspiração para uma de nossas letras (Técnica) foi um acerca de um grande boxeador brasileiro, Éder Jofre.
9) Qual a avaliação de vocês quanto ao “1° Uberlândia Hardcore”?
Estamos empolgados com o evento, acreditamos que está muito bem estruturado e discutido, aberto a críticas (o que é muito importante). Foi legal saber como foi o processo de construção do evento, das pessoas envolvidas, as sugestões, o comprometimento e força de vontade. Pelo menos dos eventos que participamos até agora aqui em UDIA é uma atitude não inédita mas incomum incorporar discussões como as oficinas e vídeos que vão ocorrer, algo que ao nosso ver é fundamental e enriquecedor.. Muito interessante também o fato de como fizeram uso positivo de ferramentas como a internet e seus fóruns de discussão para melhor combinar e organizar as coisas. Certeza que a idéia do “Uberlândia Hardcore” deve continuar e que futuramente aconteçam novos eventos em diversos espaços e regiões diferentes da cidade.
10) Agora o espaço é de vocês. Falem o que quiserem!
Agradecemos o espaço, a organização e a competência de todas as pessoas que estão envolvidas no evento, principalmente aquelas (que sabem quem são) que estão na correria diária para que tudo possa acontecer da melhor forma possível. Esperamos que dia 9/11 possamos todos nós hardcorianos e não hardcorianos que estiverem presentes no evento entrarmos em uma grande comunhão de companheirismo, discussões políticas e claro entrelaçado com muitos moshs e stage dives, tudo no melhor estilo do faça-você-mesmo do punk/hardcore. Que este seja o primeiro de muitas edições do coletivo aqui na cidade. Juntar uma graninha e chamar bandas camaradas de fora, fomentar mais coisas por aqui. Obrigado por esta entrevista. Valeu!
Outra Chance – peso dos dias.
e num piscar de olhos tudo ficou claro
o espírito rebelde não podia ver os rostos,
mas, sentia o peso dos dias
sensibilidade ampliada
recusa do engodo
e nós, será que vamos perceber?
a fórmula e dinâmica do conflito
cada gota de suor e cada pensamento
um valor mensurado (preciso, medido)
o fato da escolha não significa a escolha do fato
a escolha é pré determinada
uma falsa liberdade
a qual vendemos o nosso potencial, nossa energia vital
ao vestirmos a camisa, o vampiro suga mais o nosso sangue
SENTIR O PESO DOS DIAS É INFLAMAR A VONTADE
DE TOMAR DE VOLTA NOSSAS VIDAS
não podia ver os rostos, mas sentia o peso dos dias...
não podia ver os rostos, mas sentia o peso dos dias...
não podia ver os rostos, mas sentia o peso dos dias...
...o peso dos dias
e num piscar de olhos tudo ficou claro
o espírito rebelde não podia ver os rostos,
mas, sentia o peso dos dias
sensibilidade ampliada
recusa do engodo
e nós, será que vamos perceber?
a fórmula e dinâmica do conflito
cada gota de suor e cada pensamento
um valor mensurado (preciso, medido)
o fato da escolha não significa a escolha do fato
a escolha é pré determinada
uma falsa liberdade
a qual vendemos o nosso potencial, nossa energia vital
ao vestirmos a camisa, o vampiro suga mais o nosso sangue
SENTIR O PESO DOS DIAS É INFLAMAR A VONTADE
DE TOMAR DE VOLTA NOSSAS VIDAS
não podia ver os rostos, mas sentia o peso dos dias...
não podia ver os rostos, mas sentia o peso dos dias...
não podia ver os rostos, mas sentia o peso dos dias...
...o peso dos dias
5 comentários:
Ótima entrevista viu?
O conteudo literário vivido e expresso pela banda é indiscutível.
A posição deles sobre o cenário hc então é rara.
Fiquei euforica ao ler a parte da release :
'Lembremos que não há separação entre aqueles que fazem a música e aqueles que a dançam. '
Porque isso retrata as bandas do cenário hardcore que não dão a mínima atenção ao público , se fechando em grupos 'elitizados' de pessoas que se sentem as donas da cena , o dito povo 'cool' e com status no meio musical ( até os que não possuem banda! Os 'famosos' pelo fato de andar com a galera que tem banda.)
Enfim , foi uma bela crítica que é incorporada por poucas pessoas.
Tanto que por isso a cena hc aqui no Rio de janeiro é um lixo.
Sinto dizer isso , mas é!
Ou o povo só sabe fechar-se em panelinhas , ou o cara faz um evento de merda.
É um lance bem tenso , saca?
Que só pessoas de mente expandida , que buscam a UNIÃO , a EVOLUÇÃO MUSICAl na região que conseguem.
Então , tão de parábens!
Quanto ao som de vocês , curti bastante também!
Mas pra falar a verdade só consegui achar dois vídeos , e no Youtube!
Gostaria de saber aonde posso achar mídia de vocês pra baixar , porque tá tenso de achar algo de vocês!
Bem , MUITO sucesso aí pra vocês!
E seria bastante maneiro vocês colarem aqui no rio , realizarem algum show aqui!
Abraço!
Obs : disse que a cena é um lixo quanto a parte de COOPERAÇÃO! ( o que é quase inexistente aqui!)
Não do som em si! rs
Olá Mit, faço parte da banda (toco baixo), e fiquei feliz pelo comentário - que tenha gostado da pequena parte do trabalho que teve oportunidade de conferir. Desculpe pela demora, acabei de vê-lo. Se nos for dada a oportunidade de aparecer por aí algum dia, faremos o possível pra ir. Por enquanto temos só aquele material do youtube mesmo, da gent tocando por aqui. Estamos meio enrolados com isto, mta gent tá cobrando. Amigos pressionando rs rs. Alguns de nós estão terminando a faculdade, período meio complicado, mas assim que sair algo, fazemos questão de avisar.
qualquer coisa: www.myspace.com/outrachancehc
ou no orkut: Outra Chance HC (em comunidades), lá tem o resto do pessoal da banda tb. Temos um amigo q costuma ir mto ao RJ, se chama Thiago. Gent boa, tem um contato com um pessoal daí, acho q de Cabo Frio (o pai dele mora lá). Enfim, vamos dialogando!
Valeu!
=)
OCxHC
"rs, rs... Então, é uma expectativa da banda começar a gravar um material preliminar. Houve atrasos neste processo já que infelizmente um integrante importante, o vocalista (João filho), saiu da banda. O novo vocalista (Roberto) está se adaptando rápido e bem ao novo posto. Nós temos como expectativa gravar algo ainda esse ano.. "
o peso dos dias é implacável. tanto é, que a gravação não saiu até hoje. só tenho a lamentar.
a interação com o público é tão marcante no projeto,que a banda se priva de gravar algo, pois, a interação só pode ser presencial.
hehehehehe.
hahahahhaahahahaha
Esse é o Thiago!
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